segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Sonhar acordado: do lado de cá das cortinas


Só conseguia pensar no que tinha acabado de acontecer, a cabeça encostada no vidro do carro e toda a vida acontecendo lá fora, dentro da minha cabeça o universo era completamente outro, e o resumo dele era você. Como se pudéssemos resumir o universo, algo inigualável e indiscritível, essas definições também me lembram você. Em breves desvios conseguia me desvencilhar da perplexidade que era pensar na cena que havia vivido naquela noite.

Ao chegar em casa e deitar em minha cama, o teto do meu quarto se transformou em segundos, um palco apareceu e lá estava eu, a espera das cortinas se abrirem, minha mão suava frio e minha perna não obedecia aos meus comandos de calmaria, insistia em se movimentar com um gesto continuo e incontrolável. Só conseguia pensar no que será que está acontecendo atrás dessas cortinas? O que cada um dos envolvidos estão sentindo? Será que o mundo do lado de lá se assemelha as minhas mãos frias e molhadas ou a inquietação do movimento das minhas pernas, como cada um lidava com a sua incerteza? De repente o sinal tocou. Um toque amedrontador, quando você se imagina atrás das cortinas. Mas, para aqueles que estão do lado da frente, é apenas um suave aviso de que o espetáculo irá começar, bem embaixo do seu nariz.

Em questão de segundos o terceiro sinal soou e as cortinas finalmente se abriram. Consigo escutar meu batimento cardíaco. O mistério paira pelo ar, acho que não estou respirando. Meus olhos procuram o que eles vieram assistir, de forma alucinante. Um par de sapatilhas para cá, outro para lá, mas para mim, nada de especial por enquanto. De repente, sinto um frio na espinha e meu cérebro não consegue decidir se arregalo os olhos, para ter certeza do que estou vendo, ou se tento me esconder de alguma forma, para aquele par de sapatilhas não perceber que eu estou tão impressionado com o momento.

A dança continuou fluindo, como se fosse água se desvencilhando por volta das pedras, o movimento é único e eterno. O que me deixa abismado é a delicadeza em seu ápice, mas o vigor físico sólido e frequente durante toda apresentação. Ao todo no palco devia contabilizar 10 pares de sapatilha de ponta, mas eu só conseguia olhar para um.

A postura formidável da dona daquelas sapatilhas amarraram meus olhos e testaram a minha liberdade a um novo ponto de vista. A liberdade que eu tinha de olhar toda aquela beleza, e a liberdade que meus olhos não me deram de desvia-los daquela visão. De repente aconteceu o que eu estava esperando ansiosamente desde o início dessa alucinação, o motivo do suor frio nas mãos e a perna malcriada. A dona da minha atenção, a mesma dona das sapatilhas que me aprisionaram a visão. Foi a responsável pelo meu suspiro, ao fazer um movimento calmo e contínuo e lançar um olhar à plateia, com um leve sorriso de lábios e eu juro, que esse olhar foi exclusivamente para mim. Tenho absoluta certeza que foi o olhar mais profundo que eu já recebi, instigou minhas emoções a níveis que não acreditava que fosse possível e naquele momento eu me apaixonei, não só pelo Ballet, mas também por você, a bailarina.

Ao fim da apresentação as cortinas se fecharam e os aplausos começaram a ecoar com um som forte e agudo. De repente as luzes se acenderam e eu pude perceber que todos estavam de pé, inclusive eu e minha perna malcriada, aplaudindo. A bailarina demonstrava em seu rosto toda sua gratidão por aquele momento, parecia recompensar muita coisa para ela. Com meu jeito besta de ser, eu só me preocupava em não me entregar por completo as minhas emoções, enquanto uma lágrima teimava em querer escorrer dos meus olhos. Mal sabia eu, que já estava entregue a muito tempo.

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